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ESTHER PEDREIRA DE MELLO: UMA FEMINISTA NA DIREÇÃO DA ESCOLA NORMAL


 


Heloisa Helena Meirelles dos Santos
UERJ
helohmei@gmail.com


Decidi investigar, para meu projeto de tese de doutoramento, em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação (PROPED) da UERJ, Esther Pedreira de Mello, uma mulher do século XIX que, ainda que a profissionalização da professora primária  não tivesse ocorrido de fato, foi indicada por José Joaquim de Campos da Costa Medeiros e Albuquerque (1867-1934), Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal, para dirigir a Escola Normal do Distrito Federal no final  do primeiro decênio do século XX.
Este ato de Medeiros e Albuquerque foi tão inovador para a sociedade naquele momento que, anos depois, na Academia Brasileira de Letras, Afrânio Peixoto, ao discursar sobre a morte deste amigo (SILVEIRA, 1954, p.90), lembrou-se que ele à frente da Diretoria de Instrução Pública criara novos valores, fora da esfera política,  citando Manoel Bonfim e Esther Pedreira de Mello como referências, na movimentação da reforma do Distrito Federal.
Também de Esther Pedreira se lembrou o educador Paschoal Leme, em suas Memórias[1]:

Em conseqüência dessas medidas, o velho casarão do Largo do Estácio, onde funcionava então a Escola Normal, encheu-se de repente com cerca de três milhares de novos alunos, a maioria, naturalmente, constituída de elementos do sexo feminino, que sempre predominaram no magistério primário: a matrícula que fora de 889 alunos, em 1918, subiu para 2.950, em 1919. [...] Alguns incidentes dessa época quebraram a regularidade das aulas e produziram impactos variados que, por assim dizer, enriqueceram a secura da rotina das aulas. Assim foi a revolta, principalmente dos rapazes, contra a nomeação de Ester Pedreira de Melo para diretora da escola, a primeira mulher a ascender a essa posição, apesar de ser professora de renome e também uma das primeiras a ocupar o cargo de inspetora escolar. (p.120)


Esther fez parte da Congregação da Escola Normal do Distrito Federal, meu objeto de estudo no Mestrado, que me levou ao encontro de vários educadores, suas histórias de vida, suas redes de sociabilidade e as obras pelas quais se perpetuaram. Dentre mais de cem educadores, todos homens, surgiu na pesquisa o nome de Esther Pedreira de Mello, não uma professora - mestre de Trabalhos de Agulha ou Ginástica[2] Feminina,  mas professora de Pedagogia  da Escola Normal, o que me instigou,  visto o papel representado por esta Cadeira naquela época. Reger as aulas de Pedagogia, significava ser responsável administrativa e pedagogicamente pela Escola Anexa, cargo até então não ocupado pelo gênero feminino, onde os ensinamentos práticos da profissão docente eram ministrados por adjuntas.
Ao pesquisá-la, ainda então, muito superficialmente, descobri que fizera parte da luta de emancipação feminina ao lado de outras mulheres de seu tempo, o que lhe dava um patamar social de exercício de cidadania muito além das atividades profissionais que exerceu.
Esther Pedreira de Mello era baiana, da cidade de Cachoeira, e   ilha do casamento de D. Clara Pedreira de Mello e do Dr. Isaias Guedes de Mello. Estudou na Escola Normal para ser professora primária a partir de 1897, após os exames finais realizados na 4ª escola feminina do 1º Distrito [3], tendo sido aluna exemplar, razão pela qual foi convidada, a partir de 1902, ainda aluna da instituição, a reger as aulas de Pedagogia pelo Prefeito Pereira Passos, aos 22 anos. [4]
Foi, também, após sua formatura como normalista, no final do ano letivo de 1902, designada por Medeiros e Albuquerque como Inspetora Escolar, cargo reservado, segundo Silveira (1954, p. 89) a afilhados de políticos, não por sê-lo, ainda que seu pai, Dr. Isaias Guedes de Mello, fosse conhecido e hábil advogado com grande clientela, inclusive Ruy Barbosa, mas por merecimento, sendo a primeira mulher a ocupar tal cargo. (p.89).
Por outro lado, o pai de Esther, o advogado Dr. Isaias Guedes de Mello, durante a luta da Dra.Myrthes Gomes de Campos para ingressar no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros (IOAB) no início do século XX, por duas vezes votou contrariamente à entrada da causídica por ser ela mulher[5], logo não devia entender e apoiar os cargos que sua filha galgava, ainda que estes fossem no magistério e, provavelmente não teria usado seu prestígio no campo jurídico para impulsionar a carreira profissional da filha.
  
Para ele, a mulher deveria ser do lar, assim como a personagem Isidora, tão bem descrita por Júlia Lopes de Almeida:

Quatro horas da tarde, Isidora acaba de servir chá com bolos às suas amigas Madalena, Luciana e Marta. O gato preto Nhônhôpersegue no chão as sombras movediças da trepadeira da janela, de folhas chatas como borboletas. As senhoras palestram. (1910, p. 09)


Esther Pedreira de Mello assumiu a direção da Escola Normal, ao deixar este  cargo o Dr. Ignácio Manuel Azevedo do Amaral (1883-1950), para ser reitor da Universidade do Brasil, em 1919, por pouquíssimo tempo para "aquietar os ânimos", segundo o Correio da Manhã (05/03/1923, p.3). Foi a primeira mulher brasileira a dirigir um educandário público e legitimado como formador de professores primários, no Distrito Federal. Não foi, no entanto, bem recebida na Escola Normal a assunção da professora Esther ao cargo de Diretora seja pelos professores, seja pelos alunos, ainda que poucos. Neste momento a representação que existia para a mulher era voltada para o lar e, se professora fosse, não detinha cargos de mando, o que fazia parte das atribuições masculinas.
Por que Medeiros e Albuquerque tomou esta decisão de legitimar e nomear uma mulher, ex- normalista e voltada às lutas de emancipação feminina, para dirigir a Escola Normal quando tinha possibilidade de escolher qualquer intelectual do gênero masculino, membro da Congregação ou de seu grande círculo de amigos sem criar polêmica alguma?
Tendo uma educação formal, aos moldes da época dentro do espaço familiar, os exemplos históricos de Ana Nery[6] e Maria Quitéria[7], suas conterrâneas do Recôncavo baiano,teriam influenciado a professora Esther a envolver-se na luta feminina participando da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher ?
Esther Pedreira de Mello participou, também, como presidente e maior cotista, da Sociedade Anônima Escola Primária, entidade que criou, responsável pela publicação da Revista A Escola Primária (DOU de 22/11/1916)[8], da Conferência Interestadual de Ensino Primário em 1921[9] e da I Conferência pelo Progresso Feminino, na Comissão de Educação e Instrução (1922)[10], o que demonstra que ia além do discurso para o pragmatismo de ações em prol de suas convicções.
Era, portanto, uma mulher voltada à luta feminina através da educação da mulher, que, ao lado de Bertha Lutz e Nísia Floresta, ficou obscurecida provavelmente por morrer muito cedo, em 1923, no início da luta feminista, ainda que Bertha Lutz tenha comparecido,e enviado uma coroa de flores, em seu enterro, em nome da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
            Não pude encontrar nenhuma obra sobre Esther Pedreira de Mello e sua participação profissional na Inspetoria da Instrução Pública e na Escola Normal. Seu nome, no entanto, foi citado na Conferência pelo Progresso Feminino, constante do  fundo da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, como também em fonte  na fundação, como presidente, da Revista O Ensino Primário,  e como membro de Comissão,para deliberação de estágios e programas de ensino sobre as escolas rurais e urbanas, em 1921,  do acervo do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Também não pude encontrar, senão referências do nome da educadora, em pesquisas sobre Bertha Lutz ou Nísia Floresta e em estudos das Conferências, Congressos e movimentos que participou. Nestes trabalhos apenas seu nome é citado, sem qualquer afiliação, seja à Inspetoria, seja à presidência da Revista do Ensino, seja como diretora da Escola Normal do Distrito Federal, o que me impulsionou, cada vez mais, a contribuir para os estudos historiográficos desta mulher e sua atuação na área da educação, de modo a preencher uma lacuna sobre os estudos de gênero.
Na rede de escolas municipais do Rio de Janeiro não pude achar a Escola Municipal professora Esther Pedreira, citada por Silveira (1954) como sendo no 6º Distrito Escolar (p.90) embora exista na Biblioteca Nacional um Hino à Escola Esther Pedreira de Mello, oferecido por Ernesto Nazareth, seu autor e ex-aluno desta escola, à Diretora D. Zuleica. 
Estou às voltas, pois, com uma mulher, nascida no século XIX (1880), que participou da luta feminina sem no entanto ter reconhecimentos póstumos por esta ação. Esther, no meu pesquisar, ainda inicial, está na penumbra. Estou  à procura, em minhas investigações e fontes, de luzes que a mostrem por inteiro: mulher e educadora da Escola Normal. 

[1] LEME, Paschoal. Memórias de um Educador. Vol.I. Brasília: MEC/INEP, 2004
[2] As mulheres ocupavam cargos de mestre na Escola Normal. Os mestres eram pessoas qualificadas a exercer certo ofício em concurso público (Trabalhos de Agulha, Ginástica feminina e masculina, Trabalhos Manuais, Música).
[3]  DOU de 9/12/1897, p. 3188.
[4] CEMI. Livro de Designações
[5] Ver GUIMARÃES,Lúcia Maria Paschoal, FERREIRA,Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz  e MOTTA, Marly Silva da. In: BAETA, Hermann Assis .(dir.) O IOAB na Primeira República. Brasília: OAB editora, v.3,2003
[6] Ana Nery foi enfermeira voluntária na Guerra do Paraguai (dezembro de 1864). Casada com um capitão-de-fragata (Isidro Antônio Nery) morto em 1843, que deixou-lhe três filhos, dois deles oficiais do Exército; Ana requereu ao presidente da província da Bahia que lhe fosse permitido acompanhar os filhos e o irmão (major Maurício Ferreira) durante a guerra ou prestar serviços nos hospitais do Rio Grande do Sul. Deferido o pedido, Ana prestou serviços ininterruptos durante toda a campanha, em hospitais militares de Salto, Corrientes, Humaitá e Assunção. Terminada a guerra, voltou à Cachoeira, cidade que lhe rendeu grandes homenagens, recebendo do governo imperial a Medalha Geral de Campanha e a Medalha Humanitária de Primeira Classe. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, aos 66 anos de idade. SEVERO, Cláudia. Cachoeira e São Félix: Recôncavo Baiano. Disponível emhttp://www2.uol.com.br/mochilabrasil/cachoeira.shtml Acesso em 06/08/2011
[7] Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), militar heroína da Guerra da Independência. Entre 1821 e 1822 quando iniciaram-se na Província da Bahia manifestações contra o domínio português, Maria Quitéria pede ao pai (sem filhos homens) autorização para alistar-se. Surpreso o pai nega-lhe o pedido e ela foge para a casa de uma meio-irmã, e com a ajuda dela e do marido (José Cordeiro de Medeiros) corta os cabelos, veste-se como homem e dirige-se à vila de Cachoeira, onde se alistou como “Medeiros” no Regimento de Artilharia, onde permaneceu por duas semanas, até ser descoberta pelo pai. Defendida pelo Major José Antônio da Silva Castro (avô do poeta Castro Alves, o “poeta dos escravos”) comandante do Batalhão dos Voluntários do Príncipe, foi incorporada à tropa em virtude de sua habilidade com armas e reconhecida disciplina militar. Ao seu uniforme foi acrescido um saiote (nesta ocasião e depois de outras batalhas quando já era Cadete e portava espada, capacete e penacho).
No monumento ao 2 de Julho (Dia da Independência da Bahia) na praça do Campo Grande em Salvador,
 pode-se ver escultura homenageando a “Joana D’Arc brasileira”. Por decreto presidencial (de 8/06/1996) Maria Quitéria foi reconhecida como Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro e sua imagem encontra-se em todos os quartéis e repartições militares do país. Maria Quitéria nasceu no sítio do Licurizeiro, no Arraial de São José das Itapororocas, na comarca de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, atual Feira de Santana (BA). SEVERO, Cláudia. Cachoeira e São Félix: Recôncavo Baiano. Disponível em http://www2.uol.com.br/mochilabrasil/cachoeira.shtml Acesso em 06/08/2011
[8] Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/diarios/1886310/dou-secao-1-22-11-1916-pg-33/pdfView
[9] MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. I Congresso Nacional de Educação. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação, 1946 p. 8
[10] BONATO, Nailda. O Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino: uma fonte múltipla para a história da educação das mulheres.In:BRASIL. Arquivo Nacional. Acervo, Revista do Arquivo Nacional. Vol.18 nº 1 e 2. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, jan./dez 2005

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