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quarta-feira, 14 de junho de 2017

As antigas ruas do Rio



Beco do Guindaste
Os jesuítas, para fazer as obras de construção do colégio, ergueram um guindaste para carregar as pedras neste espaço, que recebeu do povo o nome de beco (ou travessa) do Guindaste, Conta Berger (1974) que, em 1783 para Travessa Doutor Costa Velho homenageando o intendente municipal Dr. José Mariano da Costa Velho (p.46)


Eu amo a rua [...] A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopéia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço.[...] A rua é a eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes, desvaria à noite, treme com a febre dos delírios, para ela como para as crianças a aurora é sempre formosa, para ela não há o despertar triste, quando o sol desponta e ela abre os olhos esquecida das próprias ações, é, no encanto da vida renovada, no chilrear do passaredo, no embalo nostálgico dos pregões — tão modesta, tão lavada, tão risonha, que parece papaguearcom o céu e com os anjos...(JOÃO DO RIO,1908)

Em tempos que os habitantes de nossa cidade não mais têm voz audível e perdem a cidade em que nasceram ou vivem para o descalabro da administração municipal e estadual, para a violência que torna nossas belas e antigas ruas impossíveis de flanar com o fazia João do Rio, lembro de antigos tempos de ruas que não chegamos a conhecer com nomes poéticos, escolhidos pelo povo.
As ruas do Rio, na época da colônia, recebiam o nome de seu morador mais ilustre, ou de quem ali exercia seu ofício, ou ainda da igreja, ou outro prédio, que a diferenciasse, ou de algo que a pudesse caracterizar das demais. Desse modo tivemos (e algumas dessas ruas ainda existem): a Ladeira da Misericórdia, a rua do Ouvidor, o Beco dos Barbeiros ( que liga a Rua Primeiro de Março à Rua do Carmo), a rua dos Açougues do Frade Bento, rua da Botica de São Bento, a rua da Valinha, Travessa de Santa Rita, Travessa Aguiar (aberta em terras de João Antônio Pereira de Aguiar), .
No Império, foi o Senado da Câmara, posteriormente transformado em Câmara Municipal, a instituição responsável por nomear os logradouros da cidade que crescia. Com o regime republicano de 1889, passa o Conselho da Intendência Municipal a ter tal atribuição, depois substituída pela Câmara de Vereadores, que mantém a atribuição até hoje. Desde sempre, no entanto, existe a mudança de nomes, de um para outro, sem razão, ou com razão específica. Assim, conta a memória coletiva da cidade que se o nome “não pegasse”, o que na linguagem popular significava ser de uso difícil ou inapropriado, a nomeação não era aceita e o nome trocava.  Lembra Brasil Gerson (1965) que Artur Neiva[1], ao conversar com um australiano sobre o Brasil, sobre a diferença havida entre o falar e o escrever, disse-lhe:
“- Pois no Rio de Janeiro o nome da rua principal, escrito nas placas, é Moreira César: aqui está nos meu apontamentos. Mas para todos os brasileiros a sua pronúncia é Rua do Ouvidor...” (p.49)


Beco de João Batista
Entre as ruas dos Andradas, Teófilo Ottoni e Larga de São Joaquim, na “ilha seca”, que era um trecho antes dos alagados da rua do Ouvires. O nome homenageia o médico francês João Batista [ que provavelmente era Jean Baptiste] Darrrigue, introdutor da cultura do anis no Rio de Janeiro, que ali residia (BERGER, 1974, p. 71).

Historiadores que voltaram seu estudo a essa temática dos nomes das ruas do Rio, como Vieira Fazenda (1921)[2], Brasil Gerson (1965)[3], Berger (1974)[4], e outros, oferecem um panorama nostálgico dessas ruas que acreditava João do Rio, nosso cronista maior, tinham “alma encantadora”.
Embarcando na onda nostálgica de João do Rio, relembro alguns logradouros de que, possivelmente, a maioria dos cariocas nascidos aqui, ou morando aqui (e logo adotados por essa cidade acolhedora) nunca ouviu falar.

RUA DOS AÇOUGUES DO FRADE BENTO – Estudada por Vieira Fazenda (1921) que comenta que o logradouro recebeu a denominação entre 1682-1685 quando para ali foi transferido o Açougue do Frei Bernardo de São Bento. Sua extensão ia da “primeira cerca do Mosteiro ao fim da Rua dos Quartéis, ao lado do riacho da horta”. Foi aberta em 1615, pelo Abade Frei Bernardino de Oliveira, no terreno do Mosteiro de São Bento. Com a construção de quartéis ao pé do morro de São Bento, recebeu o nome de rua dos Quartéis ou rua dos Quartéis da Armada.
BECO DOS BARBEIROS – Foi aberta em 1755 quando se iniciou a construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. Logo ali passaram a concentrarem-se os negros barbeiros ambulantes que tinham por ofício barbear, sangrar e cuidar dos dentes. Faziam parte os barbeiros de organizada corporação que tinha até uma banda de música. Conta Berger (1974) que instavam-se em barracas nas proximidades do Largo do Palácio e depois juntaram-se no Beco que recebeu o nome do ofício que desempenhavam. De 1938 a 1946 recebeu a denominação de Travessa dos Barbeiros. O nome de Travessa Onze de Agosto foi dado pelo Decreto 845 de 1 de janeiro de 1946, evocativo 1827, quando instituíam os cursos jurídicos no Brasil. Somente em 1965, na gestão do Governador Carlos Lacerda, retoma o nome original, que ainda mantém atualmente, de Beco dos Barbeiros.
LADEIRA DA MISERICÓRDIA – Começava no Largo da Misericórdia e terminava na rua do Castelo e Ladeira do Castelo. Foi aberta em início do século XVII e ligava o Morro do Castelo à planície. Caminho íngreme já existia no século anterior. O vice-rei Conde da Cunha[5] abriu a ladeira junto à Igreja da Misericórdia que foi denominada, a princípio, de Calçada da Sé porque por ali também se chegava a Igreja de São Sebastião. O nome que o povo adotou e que hoje persiste em pequeno trecho preservado foi Ladeira da Misericórdia.
RUA DA VALINHA – Ligação primitiva entre a Rua da Prainha (atual Praça Mauá) e Rua dos Pescadores (atual rua Camerinos), existia em terreno do Mosteiro de São Bento. Antigo trecho entre a rua dos Ourives (atual Miguel Couto) e rua da Imperatriz (atual Camerino) foi chamado Rua da Valinha porque ali existia uma pequena vala por onde escoavam as águas das chácaras ali existentes. Veio a ser incorporada à antiga rua da Prainha, que muda de nome em 1903 para lembrar o Tratado de Petrópolisque anexou o Acre.



           
           



[1] Nasceu em Salvador, em 1880. Estudou na Faculdade de Medicina da Bahia e concluiu os estudos  no Rio de Janeiro, em 1903. Participou de campanhas de profilaxia da malária e em 1912 realizou viagem científica, percorrendo diversos estados brasileiros. Em abril de 1914, passa a trabalhar na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro de 1923 a 1927, e no ano seguinte tornou-se diretor-superintendente do Instituto Biológico do Estado de São Paulo. Em 1931 foi nomeado por Vargas interventor federal na Bahia. Criou o Instituto do Cacau. Elegeu-se deputado federal constituinte na legenda do Partido Social Democrático (PSD) da Bahia. No ano seguinte renovou o mandato na Câmara e o exerceu até novembro de 1937.Cientista reconhecido internacionalmente, foi membro de entidades científicas no Brasil, na Argentina e nos Estados Unidos. Morreu no Rio de Janeiro em 1943.
[2] Ver FAZENDA, José Vieira. Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 86 vol. 140. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1921
[3] GERSON, BRASIL. História das Ruas do Rio. Coleção Cidade do Rio de Janeiro, nº 9. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal/ Secretaria Geral de Educação e Cultura, s/d.
[4] BERGER, Paulo. Dicionário Histórico das Ruas do Rio de Janeiro (I e II Regiões Administrativas, Centro). Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Ed. Ltda., 1974
[5] Para saber mais sobre o Vice- rei Conde da Cunha ver GONÇALVES, Isabela Gomes. A Sombra e a Penumbra: o vice-reinado do Conde da Cunha e as relações entre o centro e a periferia no Império Português (1763-1767). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense (UFF), 2010

quarta-feira, 8 de março de 2017

De mulher para mulher

Nísia Floresta (escritora, editora)
Hilária Batista de Almeida (Tia Ciata)
Iyakekerê, cozinheira
Esther Pedreira de Mello (Inspetora Escolar)
Cecília Moncorvo Filho (Crysanthème) Jornalista
Cecília Meireles (Escritora, Jornalista)
Chiquinha Gonzaga (compositora)
Clementina de Jesus (compositora e cantora)
Dilma Rouseff (presidente do Brasil)

Clarice Lispector e Carolina de Jesus (escritoras)  





Dandara dos Palmares (guerreira quilombola)





















A mulher, como essas mulheres das fotos, não pede licença para ir onde quer ou fazer o que quiser, não pede desculpas por ser mulher, não se diz inferior a ninguém e já há muito ocupa o lugar de provedora de sua família. A mulher sabe que ninguém a valora, a não ser ela mesma. Mas essa mulher que somos hoje não surgiu agora, não se fez de geração espontânea, não brotou de inteligência masculina. A mulher de hoje foi forjada nas muitas mulheres do mundo e de suas lutas para conseguir ser mulher. Ela saiu dos quartos e cozinhas das casas coloniais onde servia ao seu senhor para adentrar as salas e chegar às ruas, ocupar espaços públicos e privados, chefiar economicamente sua casa, trabalhar em qualquer profissão que escolha e ser, simplesmente mulher. O gênero feminino abandonou a ideia de que mulher é útero e passou a mostrar-se a si, e aos homens, como gênero diferenciado, com útero. Porque ser mãe ou não ser, é escolha feminina, ainda que os homens queiram legislar sobre esse corpo que não têm. A mulher é indelevelmente marcada pelo aprisionamento sofrido ao longo do tempo nos cantos escuros e empoeirados da História humana; pelo aviltamento do jugo masculino que a via objeto servil de cama e mesa; pelo inconcebível descaso que sofreu, e sofre, no deboche, na pancada, na morte. A mulher tem sua História escrita com sangue e lágrimas no corpo e na alma, cicatrizes de gritos, sussurros e discursos de rebeliões, de embates, de silenciamentos que lembram, sempre, que há nela a garra e a força urdida em vários avanços e recuos para ser, apenas, mulher.
Hoje comemoramos a nós e nossa luta diária para sermos tudo o que quisermos, quando quisermos, e com quem quisermos, porque dia da mulher é todo dia, sempre na batalha de recriar-se em um mundo feito por, e para, homens.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Meu Rio de 452 anos.



           





 
 Cristo Redentor, “braços abertos sobre a Guanabara”, liberta minha linda cidade dos grilhões que a impedem de ser maravilhosa como sempre foi!
            Liberta minha cidade da violência que assola suas ruas, becos e praias da violência que impede que possamos vivê-la intensamente!
            Salva-nos de gente que não respeita suas tradições, seu jeito irreverente de ser, seu acolhimento a qualquer um que aqui pise!
            Deixa que vivamos, de novo, nosso estádio símbolo, o Maracanã, nos jogos de domingo a colorir de gente e bandeiras as ruas, os papos de botequim, tornando visível o espírito alegre e feliz, o jeito carioca de ser!
            Permite que entremos novamente pela Floresta da Tijuca, a maior floresta urbana do mundo, sem medo, a admirar de suas trilhas nosso Rio lindo, e penetrar nos seus caminhos de árvores, bichos, cascatas para respirar o ar fresco que dali sai para uma cidade quente!
            Consente que, do alto da Ladeira da Misericórdia, possamos revisitar sua história, sua luta, sua formação de tanta gente misturada, vinda de tantos lugares, que fez dessa cidade o que ela é!
            Aceita que, junto ao seu marco português, guardado e exposto na Igreja dos Capuchinhos, se louve essa minha  cidade em qualquer rito que se queira, a partir da religião que se escolheu, sem ódios e repartições!
            Acolhe a todos que queiram ver, sentir e viver nossa vida carioca como sempre foi, sem discriminar, sem julgar, permitindo que a convivência nos enriqueça a todos!
            Cuida de nós, seus habitantes, nos morros que circundam nossa cidade e onde, na “porta do barraco sem trinco, a lua fura o nosso zinco e salpica de estrelas o chão”!
            Deixa que possamos, descansar em  nossas “praias tão lindas cheias de luz, [porque] nenhuma tem o encanto que tu possuis, [com] tuas areias, teu céu tão lindo [e] tuas sereias sempre sorrindo”, sem que um arrastão nos perturbe ou que a sujeira nos adoeça!
            Traz de volta seus compositores e pintores que espalharam pelo mundo a beleza de nossa mulata “bossa nova que caiu no Hully Gully”, que no Rio sempre foi a designação da miscigenação de brancos e negros, que encantou Sargentelli, que inspirou Di Cavalcanti e que sempre foi sinônimo de formas generosas e perfeitas que, como as montanhas que nos cercam, são símbolos de sua formosura!
            Tira-nos da ditadura do “politicamente perfeito” que no Rio não somos perfeitos, somos gente espontânea que compra quinquilharias na Praça XV ou na Rua do Lavradio para lembrar dos tempos da Tia Ciata, “ da Praça Onze tão querida, do Carnaval a própria vida”, e onde nosso samba maxixado nascia nos terreiros dos quintais!
            Deixa-nos viver nossas feiras para ouvir a cantoria dos feirantes “vem maluco, vem madame, vem maurício, vem atriz, pra comprar comigo” que são memórias da carne vendida na esquina, do peixeiro que visitava as casas e do leite direito da vaca que a modernidade nos roubou!
            Toma conta de nós porque até quem governa essa cidade hoje não respeita suas tradições e jeito de ser!
Liberta nossa vida de tanto preconceito, “cuidado exagerado” e falta de senso porque “minha alma canta [quando] vejo o Rio de Janeiro[...] teu mar, praias sem fim”!
           
            Por hoje, benção meu pai, feliz, apesar de tanta tristeza, aniversário!
           

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

À São Sebastião padroeiro

Hoje é urgente saudar São Sebastião.
É seu dia! Dia do patrono de uma cidade entristecida e só.



À São Sebastião, padroeiro

Sou carioca, meu santo, e minha cidade do Rio de Janeiro me preocupa.
Ando indignada com minha cidade suja, como se os pequenos papeis, folhas, resíduos de cigarros, pudessem, cada um, tirar de mim a visão da Quinta onde morava nossa realeza, ou o perfil das lindas palmeiras imperiais do Jardim Botânico;
Ando entristecida com nossas lindas praias de areia fininha cobertas de detritos variados deixados por seus frequentadores que usufruem um mar azul esverdeado que em nenhum lugar se vê igual, mas não cuidam do lixo que produzem;
Ando aborrecida porque nossos políticos, que deviam cuidar da cidade, se preocupam cada um, a empregar seus cabos eleitorais e esquecem dessa cidade tão linda, tão confusa, tão complexa!
Ah, meu santo, o Rio sempre foi uma cidade feliz onde todos se misturam em falares diversos e se divertem, e riem, e são felizes. Não nos abandone à tristeza!
Ah, meu santo, olha e abençoa a sua cidade, a cidade que apadrinhou e que é formada por habitantes que olham a cidade com respeito, das linhas de trem que invadem como artéria seu subúrbio exuberante, do alto dos morros que a cercam, da calçada urbana mais linda do mundo.
Olha para nós, meu santo, e deixai-nos de novo ouvir os gritos alegres no Maracanã hoje invadido e abandonado!
Livrai-nos dos perigos das ruas, dos preconceitos!Dos homens mulheres que querem servir-se da cidade, ao invés de serví-la, respeitosa e eticamente!
Dai-nos a alegria de viver nossa cidade amada a qualquer momento do dia ou da noite!
Abençoa a todos nós para que as flechas que desfecharam contra vós não nos atinjam!
Fazei-nos de novo sorrir para e com nossa cidade maravilhosa tão vilipendiada!
Amém!