Marinha, porto do Caju, Rio de Janeiro, 1905. Col. Fernando de Assis
As visões do Brasil, no século
XIX, estavam intimamente relacionadas com o desenvolvimento técnico e
científico ocorrido durante o século anterior no Velho Mundo. Tudo influenciou
na imagem europeia do Brasil e da América: interesses econômicos e filosóficos,
a busca pelo exótico, os estudos científicos, a insatisfação e a procura por
algo diferente. Assim, define Sergio Buarque de Hollanda (1985), o Brasil do
oitocentos:
ora como algo de vago e confuso, ora como a Terra da Promissão, ora
como a sucursal do Inferno, como um Paraíso da natureza, como um excelente
lugar para investimentos comerciais, como o centro das esperanças europeias ou
como uma terra de vagabundos e bandidos – quando não como simples objeto de
curiosidade – era que o Brasil tomava seu lugar entre as nações independentes.
Um traço, porém, ligava todas estas imagens: a certeza de enormes
possibilidades materiais do país, projetando-o como uma importante nação do
futuro (p. 63).
A ronda da favela, Rio de Janeiro, s/ano Col. Sahione Fadel
Casario em Santa Tereza, Rio de Janeiro, s/ano Col. Agnaldo de Oliveira
Os viajantes
que percorriam o vasto brasileiro, fossem eles naturalistas ou não,
contribuíram, por meio de suas narrativas, fotos, pinturas e mapas para o
conhecimento e estudos do Brasil do século XIX. Esse olhar sobre o país, levado
à Europa, saciava o exótico que os europeus queriam conhecer. porque o material
da viagem era objeto tanto de exposição
– pública ou privada –, como de pesquisa científica. No final do oitocentos e início do século XX, mostra-se nas pinturas e retratos, também uma modernidade tropical que retrata, ao mesmo tempo, o velho e o novo que tentam, de uma forma inusitada, mostrar a transição da colônia/império para o Brasil república.
Favela. Rio de Janeiro, 1917. Col César Bertazzoni
Como
um repórter de seu tempo, Gustavo Dall’Ara empresta sua visão realista para
tudo que lhe atraía na cidade. Lavadeiras em suas lidas, ruas e praças com seu
ir e vir de pedestres, bondes, carroças e tudo mais que por elas passasse.
Quando fazia esboços ao ar livre, seu trabalho adquiria uma linguagem bem impressionista,
como mostra a imagem abaixo. Nesses momentos, de menor formalismo, e sem o
rigor fotográfico que desejava em suas cenas, sensações atmosféricas como
brumas e sombras brilhantes, ganham muito mais vigor em sua obra.
Col. Ronaldo do Valle
Praia do Flamengo, Rio de Janeiro, 1917 - Col. José Carlos Bruzzi Castello
Rua 1º de março. Rio de Janeiro 1915 Col. Itaucultural
Ao mesmo tempo
em que sua obra é quase um retrato do cotidiano do Rio, percebe-se em alguns
momentos, uma cidade em transição, com os automóveis substituindo as charretes
e os bondes, e as pessoas naturalmente entrosadas com tudo isso. Cenas que lembram
muito a Paris de Cortês[1] e
Galien Laloue[2],
salvas as características arquitetônicas de cada uma. Fica a sensação de que,
pelo menos nesses momentos, o olhar de um estrangeiro com olhar da modernidade
parisiense tenha pesado em algumas de suas composições.
Rua Dom Manuel. Rio de Janeiro, s/ano. Museu Histórico Nacional
Rua com aguadeiros. Rio de Janeiro s/ano. Col. Jean Beghici
Glória, 1907.Rio de Janeiro. Col. Itaucultural
Esse magnífico pintor pintor de
cores vivas estudou na Academia de Belas Artes de Veneza com os pintores Villa
e Franco Dall'Andrea, entre 1882 e 1883. Estreou na Exposição Nacional de
Veneza de 1887. Por motivos de saúde, transferiu-se, em 1890, para o Rio de
Janeiro, onde primeiramente trabalhou como chargista e ilustrador na revista ilustrada
Vida Fluminense[3].
Na Exposição Geral de Belas Artes[4],
conquistou medalha de prata de segunda classe, em 1901, e grande medalha de
prata, em 1913. Sua obra figurou nas exposições mais contemporâneas, organizadas pelo Museu
Nacional de Belas Artes: Auto-Retratos (1944), Retrospectiva da Pintura no
Brasil (1948) e 150 Anos de Pintura de Marinha na História da Arte Brasileira
(1982). Em 1992, uma paisagem de sua autoria (óleo s/ tela, 1914) integrou a
mostra “Natureza: Quatro Séculos de Arte no Brasil”, no Centro Cultural Banco
do Brasil, Rio de Janeiro. Sobre a vida do pintor no Rio de Janeiro escreveu
Raul Pederneiras: "Gustavo Dall'Ara, veneziano aqui ficou revelado como
pintor da cidade, que ele interpretou com maestria, apreciando e sentindo as
águas, os montes e o casario de uma forma encantadora."
[1]
Édouard Léon Cortès (1882-1969). A arte de Édouard era serena, parecendo estar
viva diante dos olhos e coloridamente
significativa. Para ele, importava capturar as ruas, as cores, o espírito
parisiense. Era a Paris de todos os dias, através dos olhos.
[2]
Eugène Galien-Laloue, (1854-1941) foi um francês de descendência franco-
italiana que nasceu em Paris.Era um popularizador de cenas de rua, normalmente
pintados no outono ou inverno. Suas pinturas, dos anos 1900, representam a
época em que ele viveu: a animada Paris da Belle Époque , com carros puxados
por cavalos e bondes e seus primeiros autocarros.
[3]
A revista ilustrada A Vida Fluminense
foi lançada, na corte, no dia 4 de janeiro de 1868, em continuidade a O
Arlequim, que, por sua vez, sucedera ao Bazar Volante (1863), criado pelo
desenhista francês Joseph Mil. Editada por Augusto de Castro e Antônio de
Almeida, este último padrasto do grande Ângelo Agostini, que também
participaria da sociedade tão logo chegou de São Paulo
[4]
As primeiras exposições de artes plásticas no Brasil ocorreram em 1829 e 1830,
organizadas pelo pintor Jean Baptiste Debret, integrante da Missão Artística
Francesa e professor da Academia Imperial de Belas Artes. Eram mostras
restritas aos alunos e professores da instituição e se interromperam quando do
retorno de Debret à Europa, em 1831. Somente em 1840, por inciativa de Félix
Émile Taunay, novas mostras de artes plásticas foram instituídas, através da
criação das Exposições Gerais, onde os artistas participantes não necessitavam
mais estar vinculados (enquanto alunos ou professores) à Academia Imperial.
Mesmo com a Proclamação da República, em 1889, as Exposições Gerais continuaram
a ser realizadas, apesar de a Academia Imperial ter se udado seua designação
para Escola Nacional de Belas Artes.