Relevante
que eu destaque aqui a importância da Fábrica Alliança na cidade do Rio de
Janeiro e, principalmente, para o bairro de Laranjeiras. Conta-nos Nireu
Cavalcanti (1999), arquiteto e historiador, que Laranjeiras[1], onde estava assentada a fábrica, era um bairro
aristocrático onde conviviam palacetes, e a partir da segunda metade do século
XIX, também o comércio e a indústria. Embora situado entre o centro da cidade e
a zona sul, mas por causa das montanhas que cercam a sua área, o bairro de
Laranjeiras era protegido do tráfego de passagem que se fazia entre as duas
partes. Essa peculiaridade, que lhe garantia ter apenas o pequeno
tráfego interno, começou a ser alterada com a abertura do primeiro túnel
da cidade, em 1887, no alto da rua Alice e com o aumento do fluxo após a
realização do corte do Morro Novo Mundo, ligando a rua Pinheiro Machado à rua
Farani.
Em
1872, na área da atual rua General Glicério e adjacências, os Srs. Francisco de
Sá Nogueira, José Duarte da Fonseca Silva e Miguel Couto dos Santos, instalaram
uma lavanderia de grande porte: a "Companhia Econômica de Lavanderia a Vapor".
Oito anos depois, a firma foi vendida, mudando de ramo, e de donos. Passa a ser
uma indústria de fiação, tecidos e tinturaria chamada "Alliança". Seus
proprietários eram os portugueses José Augusto Laranja, Joaquim Carvalho de
Oliveira e Silva e o inglês Henrique Whittaker, que, a seguir, retirou-se da
empresa. Assim começou a "Fábrica Alliança", que veio a ser uma das mais
importantes do ramo têxtil, no Rio de Janeiro.
Essa
fábrica mudou a composição da população do bairro e, segundo Nireu Cavalcanti
(1999), também sua arquitetura e seu urbanismo, embora não fosse a única
fábrica do bairro, já que havia, na rua Pereira da Silva, uma oficina de
produção de cerveja, cujo proprietário era Luís Bayer[2] e, depois de seu falecimento, sua viúva.
Informa ainda este historiador que, a partir da instalação da "Fábrica Alliança" apareceram no bairro casas, pequenas, de porta-e-janela, e as vilas que se
espalharam, além de construções da própria fábrica. Por conta de um maior
número de habitantes, os operários portugueses[3], italianos e brasileiros, o comércio ali cresceu e se diversificou. Mas foi a "Fábrica Alliança" quem atraiu para o bairro
muitos operários para nela trabalharem. As fábricas "Alliança", em Laranjeiras,
as "Companhias Carioca" e "Corcovado"[4], no Jardim Botânico, a fábrica "São Félix", na Gávea[5], e pequenas fábricas de produção diversificada,
principalmente em Botafogo, atuaram como imãs de povoamento desses bairros onde
estavam instaladas, ampliando-os além da elite que ali residia.
As
indústrias levaram à formação, nas suas proximidades, de núcleos de população
operária, que habitavam vilas construídas pelas próprias empresas, ou cortiços,
geralmente improvisados como segunda fonte de renda pelos imigrantes, no mais
das vezes portugueses, donos de armazéns. Vieram também outros trabalhadores,
em busca de habitações modestas, cujo aluguel era baixo, e o encontravam nas
vilas e cortiços ali existentes. Foram esses pobres que enriqueceram estes
bairros com novas expressões culturais, populares, trazendo uma vida social
mais coletiva.
A
fábrica, como diferencial relevante, oferecia aos empregados atividades
culturais e de lazer através do clube, do cinema e do teatro. Em Laranjeiras, por conta dos empregados da "Alliança",
surgiram os ranchos "Arrepiados" e "União da Aliança"[6], ambos
ligados à Fabrica. Além do futebol do Fluminense, foram muitos os times
populares do bairro, como o Estudantina, que tinha até sede na rua das
Laranjeiras[7] e depois mudou-se
para o centro e virou gafieira. Surgiram ali, também, blocos carnavalescos como
"Rasga", "Periquitos" e "Canarinhos de
Laranjeiras". O aristocrático bairro de Laranjeiras, no início
do século XX, passou a ser também operário, o que grupava, em um mesmo espaço
geográfico, culturas distintas, o que não ocorreu só no bairro de Laranjeiras.
Ao longo dos séculos, muitas outras famílias importantes, como a dos Lisboa,
Velasco, Roxo, Torre, Frontin, Pereira Passos, Teixeira de Freitas, Moura
Brasil, comerciantes, profissionais liberais, militares graduados da época
(General Andréa[8], Beaurepaire Rohan, Almirante
Delamarre, etc.) e políticos, deram ao bairro a fama de ser este um bairro
aristocrático da cidade do Rio de Janeiro. Ficaram famosos os saraus e os
bailes nas mansões da Condessa de Haritoff[9] ,ou os concertos, no Clube Laranjeiras, em que
vinham tocar músicos famosos como Alberto Nepomuceno.
.
[1] Realizada a ocupação da Carioca pelos
primeiros sesmeiros, os seus sucessores, ao longo do século XVII, transformaram
suas chácaras em produtoras de hortaliças, legumes, frutas, cereais
(principalmente arroz) e farinha de mandioca. Uns preferiram explorar a
indústria cerâmica, outros a extração de pedras Além da exploração agrícola e
industrial, os proprietários da Carioca abasteciam a cidade com lenha e carvão
produzidos pela derrubada de suas matas. Também vendiam a água do rio Carioca
aos moradores do centro da cidade. Os ricos proprietários da Carioca, que em
sua maioria dedicavam-se ao comércio ou eram militares graduados, aformosearam
suas chácaras com belas casas senhoriais muradas e vistosos portões
no espaço hoje ocupado pelos bairros da Glória, Catete, Cosme Velho e
Laranjeiras.. No século XVIII a Carioca já começa a ser identificada em três
zonas distintas: a da Glória, a do Catete (que ia até o Morro da Viúva) e o
interior do Vale nomeado Laranjeiras (abrangendo desde o Largo do Machado,
inclusive, até a caixa d'água do rio Carioca, na rua Almirante Alexandrino). O
nome "Laranjeiras" aparece nos documentos, a partir de 1780.
(Cavalcanti, 1999)
[3] “Os
processos de expulsão [daqueles imigrantes considerados anarquistas] refletem,
com exatidão, as tendências globais da imigração para a cidade no final do século XIX e primeiras décadas do
século XX, onde os portugueses, seguidos de italianos e espanhóis provenientes
das áreas rurais constituíam a maioria dos que se destinavam ao Rio de
Janeiro.”(MENEZES, 1997, p.7)
[4] Esta
fábrica, pertencente à Companhia de Fiação e Tecelagem Corcovado, foi fundada
por José da Cruz, em 1889, em terras da antiga chácara de João Calhau. O
estabelecimento ficava na atual Rua Jardim Botânico. Em 1884, a Companhia de
Tecidos Carioca já havia se instalado junto ao Rio do Algodão, nas proximidades
da atual Rua Pacheco Leão. A fábrica da Cia. Corcovado encerrou suas atividades
na década de 1940 e teve seu terreno desmembrado em lotes para a construção de
moradias(CURIOSIDADES CARIOCAS, 2008 Disponível em http://rio-curioso.blogspot.com.br/2008/10/fbrica-corcovado.html
acesso 12/06/2013)
[5] A
vocação fabril do bairro remonta ao final do século XIX, quando o Rio de
Janeiro experimentou um surto industrial que fez da Freguesia da Gávea uma das
áreas mais industrializadas da cidade. As primeiras fábricas foram a Fiação e
Tecidos Corcovado, a Companhia de Fiação e Tecidos Carioca, a Fábrica de
Chapéus do Braga e a Fábrica de Malhas São Félix, essa última localizada na Rua
Marques de São Vicente, fábrica que posteriormente passou a chamar-se
Cotonifício Gávea. (Azevedo, 2011)
[6]“Através
dos relatos escritos dos cronistas, foram registradas muitas das manifestações
populares, como as festas religiosas e os carnavais das ruas e dos salões. Tais
manifestações do "povo", produzidas, via de regra, em um circuito
cultural narrado pela oralidade, eram compartilhadas por muitos desses
letrados. Nesse circuito, alguns cronistas carnavalescos, como Vagalume, Eneida
e Jotaefegê, se tornaram verdadeiros entusiastas do que viria a constituir
certas características peculiares à ideia de "cultura popular urbana do
Rio de Janeiro"( GONÇALVES,2003,p.91)
[7] A
Gafieira Estudantina foi fundada em 1931, na Rua Paissandu, no bairro do
Flamengo. Os fundadores foram Manoel Gomes Matário, em sociedade com um
estudante de Direito chamado Pedro, daí o nome Estudantina. Anos mais tarde,
foi transferida para a Praça José de Alencar, no bairro do Catete, onde
permaneceu até a década de 1940. Em 1942, foi transferida para a Praça Tiradentes,
número 75, sendo, os donos à época, Lino de Souza e Manoel Jesuíno (Disponível
em http://www.estudantinamusical.com.br/nossa-historia
Acesso 8/8/2012)
[8]
Francisco Joze de Souza Soares d'Andrea, Barão de Caçapava. Chegou ao Brasil
com a Corte, em 1808
[9] Ana
Clara Breves de Moraes Costa, chamada por Nicota, sobrinha do Comendador José
de Souza Breves, era casada com Maurice Haritoff, em 1867. Recebeu de dote de
casamento a fazenda Bela Aliança (em Vargem Grande). Consta que tanto em Bela
Aliança, como em Laranjeiras, os Haritoff recebiam com igual elegância e
fidalguia. Em 1883 ocasal inaugurou os salões de Laranjeiras, e começou a série
deliciosa dos "mardis de Mme. Haritoff". O "Messager du
Brésil", publicou larga notícia: "... une brésilienne doublée d'une
vraie parisiense, dont la grâce, l esprit et la haute distinction ont reçu une
consécration solenelle dans les salons les plus aristocratiques de la société
européene, vient d inaugurer ses mardis dans le magnifique hôtel qu elle habite
à Laranjeiras". (ÁRVORE GENEALÓGICA. Disponível em http://www.geni.com/people/Anna-Clara-Breves-de-Moraes-Costa/6000000017611668115 Acesso em 02/01/2013)
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